Laura Neves do Amaral

Detecção de água exoplanetária

A missão K2
  • No dia 11 de Setembro de 2019, dois grupos de astrônomos (de UK e dos EUA, independentemente) anunciaram pela primeira vez a detecção de vapor d'água em um planeta que se encontra na zona habitável da estrela K2-18, uma anã vermelha. O planeta, descoberto pela missão K2 (antiga missão Kepler) é batizado como K2-18b, está à 110 anos-luz do nosso sistema e possui uma massa de 7.96±1.91M⊕ e radio de 2.279±0.0026R⊕, resultando em uma densidade de 3.3±1.2 g/cm^3, que é aproximadamente a mesma do planeta Marte. A Figura 1 mosta o espectro de trasmissão da atmosfera do planeta , onde podemos ver a detecção do vapor de água na mesma, detectado com a camera de campo largo (WFC3) à bordo do Telescópio Espacial Hubble (HST). Os pontos brancos são os datos observados e as curvas amarelas são modelos feitos com Monte-Carlo. Entre 0.6um e 0.7um está o dado no visível da missão K2, Em 3.6um e 4.5um estão os dados em infravermelho do telescópio Spitzer e ao redor de 1.4um estão os dados do HST/WFC3 que mostram uma das bandas vibracionais da molécula de água.

    Figura 1: Espectro de trasmissão: que cores/comprimentos de onda das quais a estrela hospedeira emite, as moléculas e elementos químicos presentes na atmosfera do planeta absorvem.

    Quando vemos os dados e os modelos podemos nos perguntar: Outros modelos de outras móleculas não poderiam também adequar-se às observações? A resposta é não. O espectro da água é algo muito particular. Quando presente, a água domina o espectro pelo fato de que sua absorção é muita intensa e em varios comprimentos de onda muito característicos (O Virtual Planetary Laboratory, da Universidade de Washington tem um programa interativo que mostra modelos de espectros para diferentes atmosferas planetárias, que pode ser acessado através desse link: http://depts.washington.edu/naivpl/content/vpl-spectral-explorer). Os modelos dos perfis de temperatura-pressão da atmosfera do planeta feitos por Benneke, Björn, et al. (2019) mostram que poderia inclusive haver nuvens que formam chuva de água líquida no planeta (lembrando que nem toda nuvem precipita!).

    Um detalhe curioso para esse planeta é que ele se encontra em um limbo devido a suas características de massa e raio. Quando classificamos planetas, existem diferentes combinações de porcentagens de ferro, silicatos e voláteis (como vapor de água e Hélio), resultando em uma classificação degenerada. Assim, ele pode ser classificado tanto como Super-Terra (se consideramos mais silicatos e ferro na sua composição) como Sub-Netuno (se consideramos mais voláteis na sua composição). Outro detalhe é o tipo de estrela que o planeta orbita. As estrelas do tipo anã vermelha, como comentado em posts anteriores, são muito ativas. Dessa forma, mesmo que o planeta seja como a Terra, detectar vida (simples, unicelular) seria um problema, devido às altas doses de radiação ionizante (Ultravioleta e raios-X) que a estrelas emite em forma de flares.

    Ref1: Benneke, Björn, et al. "Water Vapor on the Habitable-Zone Exoplanet K2-18b." arXiv preprint arXiv:1909.04642 (2019). https://arxiv.org/pdf/1909.04642.pdf

    Ref2: Tsiaras, Angelos, et al. "Water vapour in the atmosphere of the habitable-zone eight-Earth-mass planet K2-18 b." Nature Astronomy (2019): 1-6. https://arxiv.org/pdf/1909.05218.pdf

    Habitabilidade planetária

    O caso das estrelas anãs vermelhas
  • Um planeta é considerado habitável quando ele é composto de ferro e silicatos (isto é, rochoso) e está na chamada zona habitável da estrela, que é a região onde o fluxo de energia que chega ao planeta é igual ao que chegar na Terra. Além disso, ele deve ter uma atmosfera com condições de pressão e temperatura para manter água líquida na sua superfície, já que sem a atmosfera, a pressão sobre a superfície do planeta baixa, impedindo que a água permaneça líquida. No sistema solar esta zona está entre a Terra e Marte.

    No caso dos exoplanetas, dependendo da estrela hospedeira esta zona pode variar em tamanho e distancia a estrela. A estrelas do tipo espectral M na sequência principal (MS) (anãs vermelhas) são estrelas menores que o Sol, com massa entre 0.6 Msol e 0.075 Msol. Elas permanecem na MS por um tempo na ordem de 1 trilhão de anos, e na pré-sequência principal (PMS) por 1 bilhão de anos. Elas representam 70% das estrelas na Via Láctea, e espera-se que metade delas tenham um planeta como a Terra em sua zona habitável (HZ). Devido a baixa temperatura da sua superfície, a HZ encontra-se muito próxima da estrela, e sendo assim, planetas nessa região podem sofrer acoplamento por forças de maré. Isso pode resultar em órbitas sincrônicas onde apenas um lado do planeta recebe a radiação da estrela, enquanto o outro lado permanece no escuro (da mesma forma que a Lua orbita a Terra).

    Figura 1: Um diagrama que descreve os limites da zona habitável em torno das estrelas e como os limites são afetados pelo tipo de estrela.

    Entretanto, mesmo que este tipo de estrela tenha uma estatística promissora para busca de vida, elas contam com uma forte atividade cromosférica e estelar, ou seja, emitem muitos flares ultra-energéticos (intensas emissões de radiação devido a aceleração de elétrons na superfície da estrela devido a reconexão magnética). A alta frequência desses eventos aliada a radiação de fundo cromosférica, faz com que muita energia chegue aos planetas que orbitem essas estrelas, auxiliando no escape da atmosfera dos mesmos. Exemplos de exoplanetas como a Terra orbitando anãs vermelhas são: Próxima Centauri, que possui o exoplaneta Próxima Centauri b em sua HZ; e TRAPPIST-1, que possui 7 exoplanetas tipo Terra, sendo 3 desses na HZ.

    Existem muitos mecanismos que podem erodir a atmosfera de um planeta, e entre eles está a radiação de alta energia que algumas estrelas emitem em abundância, como é o caso das anãs vermelhas. Este tipo de estrela emite fortemente na faixa do extremo ultravioleta e raios-X, entre 10 nm e 120 nm (radiação XUV). Essa radiação esquenta as camadas superiores da atmosfera do planeta, dando energia para os átomos da região, e conduzindo um escape atmosférico. Para estudar esse fenômeno, usualmente se fazem simulações hidrodinâmicas destes sistemas físicos. Na minha pesquisa de doutorado estou usando o código VPLanet, que declara os parâmetros físicos como função do tempo, geralmente usando equações fenomenológicas a partir de dados observados. Este código numérico (feito pelo meu co-orientador de Doutorado, Dr. Rory Barnes) é suficientemente robusto e sofisticado para levar em conta a maioria dos ingredientes físicos necessários no estudo da erosão planetária. Uma versão personalizada deste código está sendo desenvolvida por mim, para incluir variações na intensidade do fluxo de uma estrela anã vermelha. Para os interessados em usar esse código, podem entrar em contato diretamente comigo.

    Mais informações sobre este tema de pesquisa aqui

    Sobre a sonda solar Parker

    Uma missão para tocar o sol
  • O Sol possui 3 camadas que podemos observar: A fotosfera, a cromosfera e a corona (a "atmosfera" do Sol). Conforme nos afastamos do núcleo solar, menor é a densidade do meio, e mais baixa sua temperatura. Uma vez que a corona solar é a parte mais externa, seria esperado que sua temperatura fosse mais baixa, mas o que se observa é uma diferença de 100x a mais que a temperatura das outras camadas. Da corona solar também flui o chamado vento solar, composto por elétrons e prótons de energia na ordem de keV, que fluem até os limites da heliosfera, cujo mecanismo de aceleração é ainda desconhecido.

    As possíveis razões do aquecimento da corona são as ondas de Álfven (ondas magnéticas) que impulsionariam as partículas e aqueceriam a região, a ocorrência de "nanoflares" na região, gerando calor, ou ambos em conjunto. Com os objetivos principais de averiguar tanto o aquecimento anormal da corona, quanto a origem do vento solar, no dia 12 de agosto de 2018, a NASA lançou a Parker Solar Probe. A missão leva o nome do astrofísico que previu a existência do vento solar, o ainda vivo, Eugene Parker, e vai orbitar o Sol a uma distância de 6,2 milhões de quilômetros da fotosfera (camada mais interna vísivel), ou seja, dentro da corona solar.

    Uma vez compreendendo a formação do vento solar, através dos dados da sonda, entenderemos mais profundamente como este afeta não só a atmosfera da Terra, mas a de todos os planetas do sistema solar, incluindo Marte, planeta no qual eu estudo a influência do vento solar no seu sistema magnético.

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